Usina nuclear de Tihange, Bélgica. REUTERS/Johanna Geron

Como o direito humanitário se aplica a conflitos e usinas nucleares

Quando locais perigosos – como usinas nucleares – são transformados em campos de batalha, os riscos são imensos tanto para a população civil atual quanto para as próximas gerações. Devido à ameaça potencial que representam se forem atacadas ou danificadas, as usinas nucleares e outras instalações que contêm forças perigosas têm proteções específicas no Direito Internacional Humanitário. Saiba mais.
Artigo 02 setembro 2022 Ucrânia

O CICV está preocupado com a condução das hostilidades perto da usina nuclear de Zaporizhzhia, na Ucrânia?

Sim. Usinas nucleares como a de Zaporizhzhia contêm material radioativo que pode acabar sendo liberado se vários componentes da estação forem destruídos, danificados ou se seu funcionamento for afetado.
Um acidente de reator nuclear pode resultar em exposição à radiação (radiação gama) e contaminação radioativa (inalação de materiais radioativos no ar), que podem provocar efeitos graves de curto e longo prazo na saúde humana e no meio ambiente impossíveis de controlar no tempo e no espaço. Além do envenenamento por radiação e das doenças associadas, as mutações genéticas causadas pela exposição à radiação ionizante transcendem gerações. O material radioativo pode se espalhar por grandes áreas e ter efeitos devastadores nos ecossistemas, na agricultura e na segurança alimentar, expondo grandes populações a riscos de doenças e morte a curto e longo prazo. A descontaminação é demorada e, em alguns casos, impossível.
O risco de vazamento de radiação como resultado de atividades militares dentro e perto dessas instalações é muito alto, considerando a probabilidade tanto de danos diretos ou incidentais a um reator ou a outros componentes essenciais que possibilitam o funcionamento seguro quanto de erro humano devido ao aumento dos níveis de estresse e tensão.

As usinas nucleares são protegidas durante um conflito armado?

Sim. As usinas nucleares são bens de caráter civil. Portanto, estão protegidas contra ataques e represálias e não podem ser um alvo. Em caso de dúvida, deve-se presumir que esses bens são civis.
As partes devem também ter o cuidado constante de poupar a população civil e os bens de caráter civil em todas as operações militares. Dado o risco de liberação de radiação e suas graves consequências para as pessoas civis, as partes precisam ter extrema cautela ao realizar movimentos de tropas, manobras e outras atividades militares perto de usinas nucleares.

As usinas nucleares podem ser atacadas simplesmente por serem utilizadas por uma parte para fins militares?

Não. Obras e instalações que contêm forças perigosas, como as usinas nucleares, contam com uma proteção específica do Direito Internacional Humanitário. Caso um ataque possa causar a liberação de forças perigosas e as consequentes e graves perdas entre a população civil, tal ataque não pode ser efetuado só porque essas instalações teriam se tornado um objetivo militar. Em determinadas condições, um ataque contra usinas nucleares pode constituir um crime de guerra.

E quanto a objetivos militares localizados dentro ou perto de usinas nucleares?

As partes devem se empenhar para não situar objetivos militares, como tropas, armas ou veículos militares, dentro ou perto de usinas nucleares. No entanto, é possível que um objetivo militar, como uma ponte usada para fins militares, esteja localizado nas proximidades de tais instalações. Durante um conflito armado internacional, as mesmas proibições contra ataques e represálias que se aplicam às usinas nucleares compreendem também os objetivos militares incorporados à usina nuclear ou localizados nas proximidades, a fim de evitar a liberação de radiação devido a danos incidentais à instalação.

Existe alguma circunstância em que seja possível atacar usinas nucleares ou objetivos militares nas proximidades?

Somente em circunstâncias excepcionais e estritamente definidas durante um conflito armado internacional as usinas nucleares – ou objetivos militares nas proximidades – podem perder a proteção específica explicada acima. Mesmo assim, isso não significa que um ataque contra tais alvos seja legal.
Mesmo que essas instalações percam sua proteção específica, todas as outras normas que protegem a população civil e o meio ambiente continuam vigentes, inclusive durante os ataques. Por exemplo, as partes devem considerar com cuidado os sérios riscos para as pessoas civis inerentes a qualquer ataque contra tais instalações ao aplicar as normas de proporcionalidade e precauções no ataque. Ambas as partes devem tomar todas as precauções práticas para evitar a liberação de radiação.

A parte que controla uma central nuclear de energia elétrica está autorizada a defendê-la de um ataque?

As partes devem se esforçar para evitar a localização de objetivos militares nas proximidades de usinas nucleares. No entanto, instalações militares, tropas e armas com o único propósito de defender as instalações contra ataques são permitidas, desde que sejam usadas apenas nas ações defensivas necessárias para reagir a ataques contra a instalação protegida e que seu armamento seja limitado adequadamente.

As partes em conflito podem tomar medidas adicionais para proteger as usinas nucleares?

O Direito Internacional Humanitário incentiva as partes em conflito a celebrar entre si outros acordos para assegurar uma maior proteção para instalações que contenham forças perigosas, como as usinas nucleares. Pode ser, por exemplo, um acordo para estabelecer uma zona desmilitarizada, medida que também está prevista no DIH e que pode ser estabelecida em tempos de paz ou após o início das hostilidades.
Esses acordos adicionais também podem abranger outras instalações que contenham forças perigosas, como fábricas de produtos químicos e refinarias de petróleo.

Usina nuclear de Zaporizhzhia, 30 de agosto de 2022.
Usina nuclear de Zaporizhzhia, 30 de agosto de 2022. REUTERS/Alexander Ermochenko