Chefe de Operações da Delegação Regional do CICV

Prêmio de Cobertura Humanitária: Discurso do chefe de Operações da Delegação Regional do CICV

Leia na íntegra o discurso do chefe de Operações da Delegação Regional do CICV para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, Laurent Reza Wildhaber.
Artigo 10 agosto 2022 Brasil

Boa noite a todos e todas. Muito obrigado por estarem aqui conosco nesta noite muito especial para nós. Gostaria de começar cumprimentando e agradecendo as equipes de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas que se inscreveram nesta edição do Prêmio CICV de Cobertura Humanitária. A qualidade das reportagens reforça o papel do jornalismo em visibilizar as consequências humanitárias dos conflitos armados e da violência armada no Brasil e no mundo.

É uma alegria dividir este momento com a Agência da ONU para Refugiados, ACNUR, representada pela Oficial de Proteção Sylvia Sander. ACNUR é organização parceira desta edição do Prêmio e parceira em operações do CICV no mundo e no Brasil. Cumprimento também os jurados e juradas que avaliaram tantos materiais de qualidade. E, claro, o nosso mestre de cerimônias, Aldo Quiroga, que aceitou gentilmente participar deste evento tão especial.

Os temas destas reportagens são de central interesse do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, criado há 159 anos para levar proteção e assistência às pessoas afetadas por guerras e violência. Parte fundamental do nosso trabalho é também difundir o Direito Internacional Humanitário, um marco legal que coloca limites aos conflitos armados.

Vemos diante do conflito entre a Ucrânia e a Russia como é vital o respeito as normas da guerra para, por exemplo, garantir a saída segura de civis encurralados em cidades atacadas e visitar os prisioneiros de guerra, Trabalhamos na Ucrânia desde 2014 e, desde fevereiro, ampliamos nossa resposta para atender às crescentes necessidades. Temos mais de 700 funcionários em 10 localidades para entregar artigos de socorro às pessoas deslocadas, fornecer medicamentos e suprimentos para unidades de saúde, restaurar o abastecimento de água para milhões de pessoas e outras atividades que salvam vidas. Também estamos atuando juntos aos parceiros do Movimento Internacional da Cruz Vermelha nos países vizinhos.

Mas nossa atuação se estende por cem países. No Brasil, trabalhamos para reduzir as consequências humanitárias da violência armada sobre as populações das cidade, restabelecer o contato entre familiares de migrantes, apoiar respostas ao sofrimento dos familiares de pessoas desaparecidas e assegurar que pessoas privadas de liberdade recebam tratamento digno.

O jornalismo é peça fundamental na compreensão que temos do mundo. Mais do que testemunhar fatos e trazer informações uteis para tomadas de decisão, a cobertura jornalística tem um papel maior: de fazer investigação própria, de questionar e de nos aproximar com outras realidades. Todas essas facetas são importantes, mas para nós, enquanto organização humanitária, colocar pessoas no centro da cobertura é crucial. E é isso que buscamos fomentar com este prêmio e com outras iniciativas de incentivo a esse tipo de jornalismo no Brasil. Uma cobertura centrada nas pessoas.

Muitas vezes são histórias pessoais que vão aproximar alguém que está aqui no Brasil com a situação de um pai ou uma mãe na Etiópia. Foi isso que duas séries de reportagens do Yan Boechat e equipe, exibidas pela Bandeirantes TV, fizeram de maneira brilhante e que por isso venceu em duas categorias.

Além de aproximar realidades, a imprensa faz investigações independentes que trazem fatos novos ou expõem algum fenômeno que afeta as populações . É o caso do especial de fôlego Inocentes Presos, da Folha de S.Paulo, vencedor na categoria CICV Nacional, e também o especial do UOL Mortes Invisíveis, que ganhou menção honrosa, que apontou mais de 200 pessoas falecidas em 41 espaços de sepultamento clandestinos. São investigações de impacto e que merecem um acompanhamento posterior.

Uma reflexão que deixo para trabalho de tanta profundidade é sobre como novos passos podem ser dados a partir de investigações tão aprofundadas. O quanto materiais investigativos como esses podem ser o primeiro passo para uma mudança de realidade?

O Prêmio CICV de Cobertura Humanitária chega a sua quinta edição se consolidando na agenda de premiações da imprensa brasileira. Recebemos quase 100 trabalhos neste ano e queremos que este número sempre aumente, como forma de fomentar a cobertura humanitária para o público brasileiro. Esperamos encorajar mais brasileiros a trabalharem pautas humanitárias e a acompanhar os desdobramentos do trabalho jornalístico sobre esses temas.

Na edição de 2022, foram diversas as pautas. Os temas incluíram desde as consequências dos conflitos armados, passando por questões de migração, tráfico humano, pessoas privadas de liberdade e pessoas desaparecidas.

São marcantes as imagens de milhares de refugiados, especialmente crianças, que cruzaram a fronteira em busca de abrigo no Sudão e enfrentam falta de comida e de água limpa. Igualmente impactantes são as famílias ao lado de covas coletivas, a menina de 15 anos atingida por um fuzil enquanto brincava na porta de casa e o relato no hospital sobre os estupros coletivos. A equipe liderada por Yan Boechat retratou de forma profunda e sensível as consequências de um conflito com pouca visibilidade na imprensa brasileira e sobre o qual há tantas barreiras para obter informações.

Aqui no Brasil, é a voz embargada do vendedor de balas Wilson Alberto Rosa, preso injustamente por 5 meses, e o relato da tia do mecânico Gabriel Batista, também um inocente preso, que aproximam os leitores da realidade do sistema prisional. São histórias escritas pela equipe da Folha de São Paulo que chamam atenção para uma questão central no país – terceiro no mundo em população carcerária - e com consequências graves e permanentes. Gabriel perdeu a mãe enquanto cumpria uma pena por um crime que não cometeu. Eugênio Fiuza passou 17 anos preso injustamente.

As equipes da TV Bandeirantes e da Folha, assim como do Metrópoles, TAB UOL, Revista Piauí e GloboNews mostraram excelência ao contarem histórias de pessoas afetadas tanto por conflitos armados como pela violência.

Parabéns aos jornalistas participantes desta edição do Prêmio CICV de Cobertura Humanitária e especialmente às equipes vencedoras. Vocês levaram ao público brasileiro um conteúdo profundo, com impacto social e sensibilidade.

Por fim, deixo uma saudação a todos que fazem com que nosso trabalho humanitário seja possível. Seja por meio de apoio, parceria ou doações.